quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A VERDADEIRA RAINHA DO LAR

(A mulher é a rainha do lar? Isso já era...)


          Parece uma ladainha: "O moço compra... material velho, computador velho, geladeira velha, ar condicionado velho, alumínio velho... o moço também compra." O cara repete isso o dia todo, com voz monótona, numa Kombi (velha), andando pelas ruas do Rio de Janeiro. As pessoas reclamam por ouvirem alguns instantes, imaginem eu que escuto o tempo inteiro. Ele é um "mala", mas é o seu ganha-pão. Foi assim que eu parei aqui. Comprada pelo moço, agora sou uma televisão velha!

          Esse não é o problema, a vida é assim. Tudo tem seu tempo e eu tive o meu. Trocaram-me por uma nova, maior, de plasma. O que incomodou foi a maneira como a minha ex-família me tratou. Venderam-me por uma merreca e nem uma despedida eu tive. Correram para instalar e ligar a outra. Ingratos!

          Não há eletrodoméstico mais importante do que eu, nem o computador, que hoje em dia é tão valorizado. Grande companheira, tenho o dom de agregar as pessoas. Comigo, há emoção, humor, informação e, inclusive, uns cochilos ocasionais. Preencho até a falta de assunto de alguns relacionamentos. Dizem que eu prejudico a conversa. Absurdo! Eu dou assuntos para muitos papos. Basta me desligar ou abaixar o meu volume. Corja de família, nem uma lágrima derramaram por mim!

          Gero empregos de todo tipo, na realização de programas e anúncios, e na fabricação e venda de aparelhos. O "voz de ouro" aqui também vai ganhar, quando me vender. Tomara que uma nova família me compre logo. Vou tratar de esquecer aquela que só me usou. A sorte deles é que eu não posso falar, como as paredes. Sei tudo daquela gente!

          Já repararam que, depois do surgimento da televisão, as mulheres começaram a recusar o título de Rainha do Lar? Como geralmente não trabalhavam naquela época, elas assistiam à televisão e ficaram sabendo das coisas. Foi aí que o feminismo começou para valer. Se elas não querem o título, eu fico com ele. Não sou pobre soberba!

          Apesar da minha nobre posição, por enquanto, além da poluição sonora, tenho que aturar os insignificantes companheiros de viagem me sacaneando. "Rainha morta, rainha posta!" , disse o liquidificador. "A carruagem da rainha é uma Kombi." , falou o aspirador de pó. E o fogão: "Foi deposta pela burguesia!" Pois sim! Quando eu reassumir meu posto na nova casa, reinarei no meu trono, no centro da sala e das atenções. E vocês, reles súditos, permanecerão escondidos nos quartos, na cozinha e na área de serviço. Plebe!

          Quem é rainha nunca perde a majestade!

3 comentários:

  1. Arrasou, Regina! Vc que é uma rainha... das crônicas!

    Beijos!

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  2. Que delícia de Conto, Regina !
    Sabe, esse cara viaja por todo os bairros mesmo.Essa semana ele passou na minha rua de manhã cedinho. Aí lembrei na mesma hora de vc, pq já tinha lido esse Conto . E comecei a rir muito , pq o cara repete as mesmas coisas sempre, do jeito que vc escreveu. hahahahahahhahahahaha ADOREI !!!
    Beijocas.

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  3. Regina, estudei com seu marido na UFRJ. Seu texto é de excelência. Este lembrou um interessante programa da Rádio Nacional que se chamava "A vida das Coisas".

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