sábado, 16 de agosto de 2014

NO ESCURINHO E NO CLARINHO DO CINEMA

( "Cinema é a melhor diversão."  Será? )

LUZES !

          - Não dê refrigerante para eles, senão vão querer fazer xixi no meio!

          Ansiosa, ela aguarda a hora de entrar no cinema com mais um sobrinho de três anos. Presentes, também, a sobrinha de seis anos e o pai dos dois, irmão dela. Toda a família disse que, com ESSE, ela não conseguiria. É o desligamento em pessoa, ou melhor, em criança. Mundo da lua, dos sol, das estrelas. Tia bastante atuante, seu maior orgulho é de ter introduzido, no mundo cinematográfico, os mais velhos, com a mesma idade de três anos. Assim foi com "Peter Pan", "A Bela e a Fera", "Aladim". Nos momentos em que as histórias ficavam mais monótonas, ela entrava com as explicações que mantinham a atenção do (a) Pirralho (a). Depois, era só correr para o abraço, quer dizer, ir direto para a livraria comprar o livro do filme. Ela, professora, exultava!

          Mas, com ESSE, não foi bem assim...

CÂMERA !

          O filme da vez é "Mulan". Sentados em seus lugares, ela ensina para ele que cinema é uma tela bem grande, com muitas pessoas assistindo e aproveita para dar uma pequena ideia do enredo.

          - Não vou conseguir?! Eles é que pensam! - pensa, confiante.

          Logo em seguida, ele aponta e fala bem alto:

          - Olha, olha!

          - O quê? - pergunta ela, achando que já é efeito dos ensinamentos.

          - Uma meleca!

          Está certo, cinema é festa, tem que limpar o salão. Enfrentando olhares de asco, limpa o dedo dele com um guardanapo de papel. Luzes apagadas, começa a sessão.

          - Tá escuro! Cadê o cinema? - berra ele.

          - Ali, ali. - direciona a cabeça dele para a tela.

          - Cadê a Mulan?

          - Calma, já vai começar.

AÇÃO !

          O filme inicia e as explicações também, mais cedo do que de costume.

          - Por que a Mulan tá chorando?

          - Porque o pai brigou com ela. - sussurra para não incomodar os outros.

          - Ela quem?

          - A MULAN !!! - se impacienta.

          - Xxxxxx ! - pedem os outros.

          Pega ele no colo e explica. Deixa ele despentear o cabelo dela e explica. Tenta antecipar a cena seguinte, cochichando, claro, e explica. Qualquer coisa para não incomodar.

          - Xxxxxx !!!

          O irmão (e PAI!) finge que nem conhece, ao lado da filha. E acusa, rindo:

          - Você é que inventou!

          A culpa é ainda maior por não poder dar atenção à sobrinha. Repentinamente, ele se levanta:

          - Tô de mal com você, eu agora sou amigo do tio Paulinho.

          - Mas o tio Paulinho nem está aqui. Vem cá, vem cá! Olha a Mulan, a espada, a luta, vai vencer!

          - Xxxxxx !!!

THE END !

          Acaba o filme. Aos trancos e barrancos, ela conseguiu! É como ganhar um Oscar pelo desempenho de coadjuvante daquele ator principal mirim.

          - Regina, olhe no espelho, você parece a Medusa.

          O cabelo crespo e volumoso, de tanto que ele mexeu, é uma homenagem ao monstro mitológico, depois de um choque elétrico, além das assustadoras olheiras profundas. Não se incomoda, tamanha a sensação de vitória.

          - Meu amor, você viu tudo!

          E o irmão:

          - Filho, você gostou do filme?

          - Que filme a gente viu?

          Quase arranca o cabelo (estava horrível mesmo!) e chora (para piorar as olheiras). Mas ainda vinha mais.

          - Quer ir ao banheiro? - pergunta o pai.

          - Não. A tia Regina disse que ia comprar o livro para mim.

          A alegria volta e, toda orgulhosa, leva-o à livraria. Ao entrarem, o atencioso vendedor pergunta:

          - O que o senhor deseja?

          - Cocô! - responde ele.

          - À esquerda, lá fora! - mostra o enojado rapaz.

          - Corre, corre!

          Foi por pouco. E, para um final infeliz, vem o pior da história. Hoje, aos dezenove anos, quando a tia conta:

          - Não lembro de nada.

          Apaguem as luzes!!!