domingo, 1 de fevereiro de 2015

A VOZ DA VEZ

( Preparem seus corações para baterem no ritmo da história ! )

          Maluca, maluca, mil vezes maluca!

          Uma mulher casada, três filhos, já chegando aos cinquenta, correndo atrás de um sonho da juventude, só pode ser muito doida. Os pés incharam e doem do aperto da sandália. A roupa, cheia de plumas e paetês, pinica e coça o corpo todo. Um calor do cão e a chuva impiedosa destruíram a maquiagem que a filha fez nela com o maior capricho. Até a bunda ficou dormente, de tanto tempo sentada no meio-fio. Cadeira? Nem pensar!

          Bem feito por cismar em desfilar numa escola de samba do Rio de Janeiro, qualquer uma servia! Nascida e criada em cidade do interior de Santa Catarina, via pela televisão aquele espetáculo de cores e som e se imaginava lá. O sacrifício começou em ficar devendo favor ao amigo do amigo do marido, diretor de harmonia. Mais o dinheirão da fantasia. E tome decorar samba-enredo!

          Como se não bastasse, o marido e os filhos caíram na pele dela, dizendo que deveria sair na ala das baianas, por causa da idade e dos quilinhos a mais. Os cariocas que conhecia olhavam como se pensassem: "Tem gringa no samba..." Sonho de menina? Acorda, mulher!

          Escola com nome de árvore. Cantor com nome de fruta. Que praga! Agora já era, o mal estava feito.

          Começa o aquecimento para iniciar o desfile. A bateria dita o ritmo, o cavaquinho toca alto e ela escuta aquela voz, pairando sobre tudo:

          - Fala, Mangueira!

          O vozeirão que cantava o samba enraizava-se no fundo da alma. Era um tronco forte e seguro, que transformava o colorido das fantasias em galhos e folhas de uma copa frondosa e refrescante, onde brotava um fruto negro e exótico: JAMELÃO!

          Sentiu o arrepio que a fez esquecer a dor, a coceira, o calor e a dormência. Enxugou as lágrimas, o coração batendo junto com os instrumentos. Saiu dançando e cantando, que nem pinto no lixo, no meio daquele mar de verde e rosa, fazendo coro com o intérprete maior (puxador não!):

          "Tem xim-xim e acarajé
          Tamborim e samba no pé

          Mangueira vê no céu dos orixás
          O horizonte rosa no verde mar..."

          Se venceria o Carnaval, ninguém sabia, só depois da apuração. Mas, para a vibrante foliã, a Estação Primeira seria, com certeza, a grande Campeã. Foi um rio que passou na vida do Paulinho da Viola e na dela também.

P.S.: Podem chamá-la de velha, gorda e gringa, porém ninguém pode acusá-la de pé-frio. A Mangueira foi a campeã daquele ano de 1 986, com o enredo sobre Dorival Caymmi. Agora é a minha vez (sem voz, por favor!):

          "Mangueira, teu cenário é uma beleza
          Que a natureza criou, ô, ô..."

          "Quando piso em folhas secas
          Caídas de uma mangueira
          Penso na minha escola..."

          "Tem capoeira
          Na Bahia
          Na Mangueira..."