domingo, 21 de agosto de 2011

NÃO DÁ PRA ESQUECER

( Aparece cada figura na vida da gente... Essa trabalhou comigo, na primeira escola onde dei aula. Acreditem se quiserem! )

          Hoje, por causa do politicamente correto, teríamos que descrevê-la como uma afrodescendente, de elevada estatura e avantajada circunferência, lábios excessivamente carnudos e cabelos difíceis de pentear. Antigamente, dizia-se mesmo que ela era uma tremenda negona!

          Professora primária de uma escola pública do subúrbio, Maria José era o tipo da pessoa que, se não existisse, tinha que ser inventada. Agitada e falante, era querida por colegas e alunos. Quando faltava ao trabalho, era um grande vazio. Até para a diretora, que ela deixava de cabelo em pé, com suas palavras e atitudes nada pedagógicas.

          Uma delas foi quando resolveu pegar um galho de árvore para castigar as crianças que erravam os trabalhos ou desobedeciam às suas ordens. Só que ela batia sem machucar e os alunos adoravam "apanhar". Mas um menino comentou com os pais o que a Tia fazia. A mãe, furiosa, no dia seguinte, foi tirar satisfações com ela.

          - É verdade que a senhora bate no meu filho e nos outros alunos também?

          Quando aquele corpanzil levantou, a mãe reparou que o seu corpinho era metade dele. E a resposta ameaçadora veio de pronto:

          - Bato, sim! Bato no seu filho, bato no seu marido e bato na senhora também, se começar a me encher a paciência.

          A mãe escafedeu-se e Maria José continuou tranquilamente a dar sua aula.

          Outro dia, na hora do recreio, as crianças vieram avisar:

          - Tia, Tia, o Almir está subindo na mangueira!

          Almir era um pretinho, arteiro como ele só, que vivia aprontando. Portanto, era o maior "freguês" do galho castigador. E ela nem aí, continuou a tomar seu cafezinho. Uma professora insistiu:

          - Maria José, ele pode cair e vai ser um problema.

          Calmamente, ela largou a xícara e, com aquele vozeirão, trovejou:

          - ALMIIIIIR, desce daí, macaco!

          E, virando-se para as colegas, completou:

          - Não gosto de crioulo!

          E não gostava mesmo, tanto que vivia perseguindo o motorista da Kombi que transportava as professoras, que não era bonito, mas era louro, de olhos azuis. O coitado fugia dela como o diabo da cruz. Também, ele provocou a onça com vara curta. Confessou que, numa noite de porre, acabou "ficando" com ela. Na saída da escola, ele implorou:

          - Regina, Luiza, por favor, fiquem aqui na frente comigo! Me salvem!

          Rindo muito, as duas professoras aceitaram. Mas, lá vinha ela. Quando viu que só tinha lugar nos bancos de trás, ordenou para as colegas:

          - Regina, Luiza, pra trás!

          As duas prontamente obedeceram, apesar das súplicas do infeliz. Ela entrou, acomodou-se no banco da frente e, orgulhosamente, botou o bração em volta do pescoço do seu príncipe, que não sabia se dirigia ou se abaixava.

          E foram todos embora, pensando no que ela iria aprontar no dia seguinte. 

terça-feira, 9 de agosto de 2011

NÃO DEVO ESQUECER DE FAZER O TRABALHO DE CASA

( As férias escolares acabaram e as aulas e os trabalhos já começaram. Quem não fez, CASTIGO! Antes de criticar os estudantes de hoje, lembrem-se do ontem. Nós todos fomos crianças. )

          Pô, que saco! Tenho que escrever isso cem vezes. A chata da professora, toda semana, passa uma redação para casa. Falei que esqueci e ela me castigou com a cópia, depois da hora. E a minha mãe dá razão, em vez de me apoiar. Duas contra um é covardia!

          NÃO DEVO ESQUECER DE FAZER O TRABALHO DE CASA.

          Detesto fazer redação. Quando estava no C. A. e na primeira série, por qualquer coisa que eu escrevia, era elogiado. Agora, na quarta série (atualmente, quinto ano), ela quer vírgula, parágrafo, ortografia. Introdução, desenvolvimento e conclusão. Tem que obedecer a um tema. E se eu não tiver nenhuma ideia sobre ele? Perguntei se poderia escrever sobre outro assunto. "Não, não pode!" É só regra, regra e mais regra! Depois, ela pergunta: cadê a criatividade? Assim fica difícil, eu só tenho dez anos.

          NÃO DEVO ESQUECER DE FAZER O TRABALHO DE CASA.

          Eu sei que tenho dificuldade para escrever porque não gosto de ler. Como que eu vou ler? Não tenho tempo. Além dos deveres de Matemática, Estudos Sociais e Ciências, tenho os de Português, também. E a diversão? Meu pai reclama que, no tempo dele, as crianças liam muito. Mas eles não tinham computador, games e a televisão tinha poucos programas infantis. Para mim, livro bom é livro fino, com muitas figuras. Não sei por que esses escritores escrevem tanto, dá o maior trabalho para o leitor.

          NÃO DEVO ESQUECER DE FAZER O TRABALHO DE CASA.

          Outro dia, ela passou uma redação, "Fale sobre suas férias". Legais, pronto! Suei para conseguir escrever o mínimo que ela exige, quinze linhas. Não tenho nada para contar. As meninas é que falam demais e escrevem muito. Lembrei que a minha mãe sempre pergunta pro meu pai como foi o dia dele. "Bom.", ele responde. Não entendo, ela fica toda emburrada. E fala, fala...

          NÃO DEVO ESQUECER DE FAZER O TRABALHO DE CASA.

          Como diz a Tia, escrever serve para contarmos o que acontece, além de mostrar o que pensamos e sentimos. Ah, é? Já sei, farei uma redação contra a redação. Será uma vingança contra todas as professoras de Português. Legal! Mas não sei como começar a introdução. Que argumentos devo usar para fazer o desenvolvimento? Donde se conclui que... Ih, deixa pra lá! É muito complicado. Continuarei com a minha cópia. Já estou escrevendo, né?

          NÃO DEVO ESQUECER DE FAZER O TRABALHO DE CASA.