sábado, 25 de setembro de 2010

ACONTECE NAS MELHORES FAMÍLIAS

(Oba! Hoje tive meus 15 SEGUNDOS de fama. Meu nome apareceu no Caderno de Esportes do jornal O Globo, bem pequenininho, no final da coluna "A Pelada Como Ela É". Isto porque este texto será postado, a partir de amanhã, no blog sobre peladas - de futebol, claro - do site do jornal. Podem conferir.)

          Nesta cidade, é quase uma obrigação cívica gostar de futebol. Torcer, opinar, ler, ou até mesmo jogar (privilégio de alguns), não importa, quando menos se espera, uma rede de circunstâncias fisga e envolve, sem direito a retorno. Pronto! O futebol pegou você. Não tem ame-o ou deixe-o. Mesmo as mulheres, que geralmente não curtem o famoso esporte bretão, são obrigadas a ouvir comentários e manifestações sobre vitórias e derrotas. E quando eles jogam, ou elas acompanham ou têm que se acostumar com as ausências.

          Além da já consagrada modalidade praticada pelos clubes, há outras menos favorecidas, tais como futebol de salão e de areia, chegando aos peladeiros de várzea e aos praticante de totó. Mas existe uma esquecida e, por isso mesmo, injustiçada, porque é, talvez, a mais disputada e emocionante de todas: Casados x Solteiros. É o confronto que está no subconsciente masculino; ser ou não ser casado, eis a questão. Os componentes de cada time se unem nas suas vantagens e desvantagens, alegrias e frustrações, apoiando-se, não só no campo, como nas suas escolhas de vida. Normalmente, acontecem antes ou depois de um churrasco.

          Aquela partida não fugiu à regra. Era o aniversário de um dos membros de uma grande família, com a soma dos amigos mais chegados, celebrado num clube de militares em Deodoro, subúrbio do Rio. Durante a comilança, foi aquela confraternização de homens, mulheres e crianças, regada a carnes e bebidas variadas. Barrigas cheias, papo vai, papo vem, alguém propôs:

          - Vamos bater uma bolinha?

          Após a aprovação geral da grande ideia, restava escolher os times. Outra grande ideia:

          - Que tal casados contra solteiros?

          Tudo resolvido. Que bonito! Pais, tios, padrinhos jogando contra filhos, sobrinhos e afilhados. As mulheres, em volta do campo, decidiam se torciam para os maridos ou para os filhos. Ah! Bobagem, tanto faz. O importante é a união familiar. Qualquer placar seria uma vitória.

          Mas, quando a bola começou a rolar, a agilidade e a habilidade dos solteiros predominou sobre a lerdeza e a incompetência dos casados. De um lado, havia juventude, músculos e despreocupações. Do outro, a idade pesando, barrigas avantajadas e contas e mais contas para pagar na cabeça. Passes certeiros, dribles de fazer cair sentado o adversário, cabeçadas precisas, matadas no peito, até bicicletas. Era um gol atrás do outro. Além de tudo, quando algum casado conseguia chegar à meta, havia o goleiro, uma barreira de 1, 90 m, forte e ágil nos seus vinte anos.

          Foi aí que acabou o amor paternal e começou o massacre. Cotoveladas, caneladas, empurrões. Puxões de calção e camisa eram os golpes menos baixos.

          - Pai, eu sou seu filho. - reclamava um.

          - Qual é, Tio? - implorava outro.

          E, por causa da maior idade, os casados mesmos eram os juízes e usavam as regras de acordo com suas conveniências.

          Enfim, depois de tudo e mais alguma coisa, conseguiram empatar o jogo em 4 x 4. O sol começava a se pôr, o esgotamento físico e as contusões já incomodavam, porém, antes que alguém propusesse o fim do jogo, um jogador casado escorregou e caiu. Como estava perto de um solteiro, os casados aproveitaram e gritaram em coro:

          - Pênalti!

          - Não foi, ele caiu sozinho.

          - Foi.

           - Não foi.

          Naturalmente que foi. Não tinha argumento. Era a ditadura da idade prevalecendo. Mas os solteiros estavam tranquilos porque tinham O goleiro. Bom, mas quem vai cobrar a penalidade? Escolhe daqui, escolhe dali, foi convocado o pai do goleiro. Os dois se posicionaram e, antes de bater, o pai olhou para aquela muralha e falou:

          - Beto, se você defender, eu corto sua mesada.

          O coitado do Beto começou a tremer e suar. Se defendesse, ficava sem mesada, com o fantasma real da miséria. Se deixasse a bola entrar, sua honra e fama de goleiraço iriam por água abaixo. E mais, o time contava com ele.

          - Agarra, Beto!

          - Vou cortar sua mesada.

          - Vai que é sua, Beto!

          - Defendeu, perdeu.

          O pânico tomou conta do Beto. A tremedeira era tanta, que ele nem conseguia rezar. Chegou a hora. O pai correu (correu, não, andou) para a bola e chutou. Os olhares de todos, jogadores e torcida, mirando o goleiro e a bola. Ele, paralisado, viu-a descrever uma curva estranha e ... foi para fora!

          Empate. Acabou o jogo. Parecia mágica: no instante seguinte, os jogadores se abraçaram sorridentes e foram cantar Parabéns para o aniversariante.

          Ainda sob o efeito da tensão, Beto não conseguia se mover da baliza. Estático, ouvia a família chamar e nada. Foi quando o pai, com um pedaço de bolo de chocolate na mão e um copo de refrigerante na outra, chamou:

          - Toma, filhão. O que você mais gosta.

          Passou tudo.

         

        

Um comentário:

  1. Regina
    Parabéns pelo blog e pela crônica. Estava com saudade dos seus textos. Vc tem que escrever mais e divulgar o blog.
    Bjs
    Fabio

    ResponderExcluir