domingo, 10 de julho de 2011

UMA CERTA PÁGINA DA VIDA

( Esta história foi escrita por ocasião da novela "Páginas da Vida", de Manoel Carlos. Tia N. era fanática por novelas, via todas. Ela já faleceu, mas, mesmo assim, não colocarei o nome dela, pois é bem capaz de vir puxar meu pé, de noite... Seu apelido era "Dona Bronca", imaginem! )

          Já cheguei à conclusão de que eu sou masoquista. Esta página da minha vida não era para ser contada, era para ser virada. É o famoso "rir para não chorar" e, como eu gosto de sofrer, compartilho a relembrança do acontecido com vocês.

          Tia ENE é uma figuraça! Não sou besta de colocar o nome dela, senão serei uma página virada. Ela se acha. Considera-se moderna (apesar da idade), simpática (realmente, tem muitos amigos) e inteligente (isto ela é, mas troca as palavras, como, por exemplo, PERÍNEO, em vez de PERITO; só isso já daria outra página) e outras qualidades mais. Entre essas, destaca-se cozinheira de mão cheia. Tudo que faz é melhor, especialmente em comparação com as irmãs.

          Como também se julga uma mulher atualizada, resolveu entrar num curso de culinária, especializado em bolos. Ela reconhecia que estes não eram o seu forte, logo não poderia admitir esta página em branco na sua vida. Ao final, haveria uma festa, com a premiação dos melhores.

          No dia previsto, Titia convidou a família inteira para torcer pela sua obra. Alguns foram, inclusive eu. Chegou a hora do julgamento e dez foram selecionados para concorrer ao primeiro lugar. Adivinhem: o bolo dela não entrou nem entre os dez. Acho que, se ela pudesse, teria rasgado todas as páginas do regulamento do concurso. Pois não se fez de rogada: não sei como, sem que ninguém percebesse, surrupiou o bolo mais bonito e o mais cotado para vencer. Pegou o dito cujo e entregou para mim. Na hora, eu estava sozinha, guardando os lugares na nossa mesa, pois o resto da família tinha ido comprar bebida.

          - Toma! Segura isso aí.

          - Tia, que bolo é este? - eu vi que não era o dela.

          - Segura, segura!

          E se mandou. Fiquei lá, sozinha, segurando...

          Dali a pouco, vem uma mulher furiosa, com várias pessoas atrás, justo na minha direção:

          - Meu bolo! O meu bolo! - gritava.

          Aí, eu entendi tudo, mas, como não tenho nenhuma presença de espírito, não conseguia esboçar reação. Comecei a tremer, a voz não saía. E já me via na primeira página dos jornais, como ladra de bolo.

          - O que você está fazendo com o meu bolo? - berrava a boleira, apoiada pelo olhar de reprovação de todos na festa.

          Quando eu ia começar a gaguejar, chega minha tia, na maior calma:

          - O que foi? O que foi?

          - Ela está com o meu bolo premiado! - esganiçava a vencedora (é, o bolo dela ganhou!).

          E agora? Havia alguma coisa para se fazer ou dizer? Havia e ela fez e disse:

          - Ah, bem que eu falei para a minha sobrinha aí que aquela mulher gorda que pediu para a gente guardar o bolo dela, era muito estranha. Falei, falei e falei para a minha sobrinha não guardar, mas ela teimou, quis ser gentil. Viu só?

          A dona do bolo mudou da água para o vinho. Além de se acalmar, abraçou e beijou Titia, toda agradecida, e ainda deu metade do bolo para ela.

          E, como última página de tudo, a pobre de mim ficou como a boba da história e ainda teve que ouvir dela:

          - Frouxa!

        

6 comentários:

  1. Hahahahahaahah... sua tia Ene era uma figuraça mesmo, Regina !
    Também, coitada, nem entre os dez selecionados o bolinho dela ficou. Acho que ela resolveu se vingar e ainda usou vc !!! É o que sempre dizem: o mundo é dos espertos. E até ganhou a metade do bolo....kakakakaka
    Imagino sua situação, que coisa !!!
    Me diverti muito tentando ver a cena: vc com o bolo na mão toda sem graça. Sua tia, hein ???
    Que delícia de Conto, amiga !
    Beijinhos da sua fã anônima,
    Andresa

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  2. Tia Ene era isso mesmo! Mas era cozinheira de mão cheia e diante da injustiça resolveu com suas próprias mãos hahaha... Espertinha não é? Adorei!!! Bjs Lena

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  3. Nossa! Que situação, amiga! Acho que eu também ia ficar com essa cara de "não sei".kkkkkk Sua tia Ene era mesmo uma figuraça.
    E por falar nisso, amiga, o mistério dos cotonetes continua. kkkkkkk
    Beijos.
    Eliane

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  4. Regina, venho sempre aqui ler seus contos e são todos sempre divertidos!!!
    beijos,

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  5. Saudades, saudades da tia Ene!!!

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  6. Regina, os teu contos são ótimos! Me divirto !

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